Crónica de Alexandre Honrado – Do abandonar ao acolher: Faz sentido ser humano nos dias de hoje?
Do abandonar ao acolher:
Faz sentido ser humano nos dias de hoje?
Vivemos o tempo de ambiguidade, a começar pela forma como nos comunicamos e como erguemos muros à comunicação, escondendo-nos em grutas do incomunicável: a possibilidade de não sermos escutados, de sermos, produzirmos e partilharmos registos sem efeito, é imanente a cada momento que, de forma degradada, vivemos como ato de proximidade.
Isolados somos, mas não somos no outro. Isso tira-nos a confiança, a forma de sobreviver, o conceito completo do que é o humano: um exemplo de partilhas, de aceitações, de diferenças.
Vivemos, provavelmente, uma nova etapa construída a partir da cultura líquida: uma nova cultura sólida, difícil de moldar como um último veio de minério de ferro na rocha dura, que nos corre por dentro como um desejo de sangue.
A cultura da morte – do abandono em desespero do filho recém-nascido ao jogo milionário que se oferece à criança no natal para que na sua consola eletrónica desvalorize o que tem de mais elevado, a vida – é a essência de uma desconstrução do humano.
Perdemos a memória e substituímo-la por um sinistro esquecimento.
Não conhecemos o passado e ao perdê-lo perdemos os nossos antepassados. Ignoramos os momentos em que o mundo foi genocídio, o que é o mesmo que dizer, um parricídio que nos tornou a todos órfãos e carentes de um afeto capaz de alguma equidade. A riqueza – demanda pelo ouro, pelo petróleo, pela água, pelo desnível da balança social – impõe regras. Mas a pobreza – aceitação do que nos falta e da nossa ignorância mais tolhedora – não tem força para se opor, coibindo-se à existência. Lancemos o debate: do abandonar ao acolher, faz sentido ser humano nos dias de hoje? Mas que o debate se sobreponha.
Fartos de atos, queremos palavras. Palavras encantatórias e operatórias, que definam e estabeleçam a mudança urgente e necessária.
Alexandre Honrado
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